O escritor de Friburgo Michel Bavaud converte-se ao ateísmo aos 80 anos (traduzido)

O escritor cristão, chegado ao entardecer da sua vida, divorcia-se do cristianismo e fala de Deus como de “uma bela miragem"

Patrick Chuard | 12.12.2011 | 00:00

Pedagogo e escritor de Friburgo, Michel Bavaud lança uma pedra na pia de água benta. Envolvido há décadas com a Igreja católica, ele conta como se tornou ateu num livro onde acerta contas com Roma e a religião. O seu trâmite pretende ser um “sair do armário” pessoal mais do que um acto de militância, assegura ele, na sua cozinha de Treyvaux (FR) coroada ainda por um crucifixo. Diálogo com um «Indignado» da fé.



Você escreve que teria sido mais razoável deixar a fé «nas pontas dos pés, como tantos outros». Porque não o fez?
Não dizer que me tornei ateu seria uma mentira e uma cobardia. Muita gente veio ao longo dos anos pedir-me conselhos espirituais. Há religiosos entre os meus amigos. Seria desonesto não dizer o que penso realmente. Pode-se comparar com um homossexual que sente necessidade de fazer públicas as suas preferências

Uma necessidade de se confessar?
De facto, escrevi no ano 2000 no meu Epístola ao romano que apesar das minhas cóleras contra Roma, e as minhas decepções, eu continuava na Igreja. Tendo escrito isso, devo hoje ser honesto dizendo que isso mudou. Depois que me reformei, tive tempo de reflectir. A resposta às perguntas que sempre me pus veio progressivamente, como uma convicção. De alguma forma converti-me ao ateísmo.

Pode-se dizer de maneira banal que você já não vai mais à missa, eis tudo?
Ah não, eu ainda vou à missa! É um hábito, um momento de reflexão, de poesia. Há belos vitrais, um coro que não canta mal, uma atmosfera. Mas já não oiço os sermões graças à minha excelente surdez. (risos.) Ainda tenho crucifixos na minha casa, seria ridículo removê-los agora.

Mas então porque critica tão ferozmente a Igreja?
Rejeito o Vaticano, é verdade, a infalibilidade papal, a obediência cega a uma Igreja que condena, que excomunga. Já não suporto mais ser manobrado por essa autoridade, que tergiversa sobre os detalhes. O Concílio Vaticano II foi um momento de grande esperança, o início de um degelo fantástico, e depois a Igreja voltou atrás em tudo. Benedito XVI será perfeito como guarda de museu.

Advogaria pelo protestantismo?
Não, o primeiro problema, são as escrituras. Nós deveríamos reconhecer que a Bíblia, como também o Corão, não é a palavra de Deus, mas sim a dos homens. Talvez estivessem inspirados, mas se você escrever uma carta de amor, também o estará. Claro que há lá dentro belas histórias, como Jonas e a sua baleia. Isso vale por Ali Baba e os 40 ladrões, mas nem mais nem menos. A Bíblia não se aguenta de pé. É tempo de tirar a maiúscula da palavra Escrituras. E eu não concebo a teologia como outra coisa que não seja a libertação das injustiças, como um compromisso social. A oração é inútil para melhorar o mundo, para vestir os pobres e para curar os doentes.

Você acusa claramente Deus de ser um relojoeiro malfeitor!
Rejeito a existência do Deus da Bíblia, senão seria um Deus abominável. Ele teria cometido o pior genocídio da Historia ao provocar o dilúvio. Na semana passada, incinerámos a minha neta, que tinha 6 meses. Ao vê-la no CHUV com os seus aparelhos, foi insuportável. O Deus do amor não existe. Podem sempre contar-me que o mal está no mundo para permitir a liberdade do Homem, mas é inadmissível. Deus seria então um perverso. A Bíblia diz-nos que Jesus fazia milagres, então porque não move Deus nem a ponta de um dedo? Onde estão os milagres? Eu gostaria de ver os peregrinos sem pernas voltarem de Lurdes a caminhar.

Reconhecer que já não é crente foi doloroso?
Sim, recebi Deus como herança na minha educação. E é doloroso saber que esse Pai infinitamente bom não está lá. Isso deixa-vos órfãos. E depois eu sei que vou escandalizar muita gente de que gosto e continuo a gostar, tenho medo dos magoar. Depois que a o La Liberté consagrou um artigo ao meu livro, recebi em casa correios muito duros, por vezes anónimos. E os leitores do jornal não me obsolviam. As pessoas tratavam-me por renegado, infiel.

Não ganhou amigos no campo dos ateus?
Eu temo ser rejeitado pelos dois lados. Da parte dos crentes, mas também da parte dos ateus porque não sou um desses militantes que querem partir tudo. Eu, sinto-me mais próximo de um ateísmo tranquilo de um André Comte-Sponville que do dum Michel Onfray. Continuo a sonhar com uma forte religiosidade. É para inocentar Deus que eu o nego, esse Deus que tentei servir com o meu melhor e que se me tornou odioso. Mas se eu me enganei, se Deus existe, então que ele me acolha de braços abertos depois da minha morte…

Mas você continua a invocar o Deus que nega!
Continuamos ligados às coisas que amámos… Eu deixo Deus às boas, poderíamos dizer que é um divórcio amigável.

«Dieu, ce beau mirage»
Michel Bavaud. Ed. L’Aire, 2011.

P.S.: Para ouvir uma entrevista extraordinária abrir o arquivo de audio seguinte ou visitar o site da emissão:

Comentários

  1. Nous sommes la Déesse Originelle; Des Êtres Hautement Évoluées sur le plan Spirituel; Les Déesses suivantes; Lima Divinité Incarnée; Frigg Divinité Incarnée; Admée Divinité Incarnée; Épona Divinité Incarnée; Ishtar Divinité Incarnée; Sekhmet Divinité Incarnée; Lao-Tseu Divinité Incarnée; Tara Blanche Divinité Incarnée; Amaterasu Divinité Incarnée; Kali Divinité Incarnée; Marie Divinité Incarnée; Manat Divinité Incarnée; Odin Divinité Incarnée; Poséidon Divinité Incarnée;Nous sommes en Âmemour avec Vous..Toi

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  2. Este senhor é teólogo. Percebe-se na entrevista que está mais lúcido que todos nós. Foi um dos ideólogos do Vat. II.
    E claro que este senhor fez o movimento típico dos filósofos religiosos, ao entender mais de religião e ao aprender a humildade da profunda fé dos outros que consideramos infiéis, tornam-se "ateus místicos" ou panteístas.
    Outro caso famoso é o de um padre da Opus Dei, amigo íntimo de Josemaría Escrivá, o padre Raimon Paniker, a quem Ratzinguer nunca teve colchões para retirar os votos ou excomungar - possivelmente por temê-lo como brilhante teólogo ou simplesmente por estratégia. Raimon dizia: "Eu deixei a Europa [pela Índia] como cristão, descobri-me hindu e voltei convertido ao budismo* sem nunca ter deixado de ser cristão".
    Numa outra entrevista de Michel Bavau percebe-se que é o mal natural ou metafísico presente na criação que desencadeou a ruptura. Pelo que percebi nasceu-lhe uma neta com deficiência física que viveu 6 meses ligada a máquinas com dor profunda, sempre em sofrimento e ao fim de 6 meses morreu. Mas é quase "um diz que disse" porque estas coisas não se falam em França por serem do foro pessoal.

    ( * ) Caso não saibas os budistas não crêem em Deus, Buda é um homem como nós, são formalmente ateus. Paradoxalmente os hindus elevaram Buda à categoria de Deus supremo, é o 12º e último avatar de Vishnu - o Deus da permanência na trilogia de Deuses supremos hindus, os outros dois são Shiva, o Deus da mudança, e Brahma o criador.

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