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I Amélia Amélia tem pela frente a longa noite do soldado de sentinela, a noite da enfermeira. Lá fora está a beleza do meio da Primavera, mas aqui cruzam-se dores, misérias e esperanças desrazoáveis. Há anos que é enfermeira do exército. Cada noite, Amélia faz a rotina que lhe ensinaram: receber o turno, ler os relatórios de enfermagem, dar a medicação, trocar umas palavras com os soldados internados e preparar a medicação seguinte. Mais tarde, na quietude da madrugada fará os seus relatórios. Pelas 2h00 da madrugada o silêncio do hospital é entrecortado por algum gemido ou murmúrio do paciente do quarto 113. Amélia tem medo de pensar. Na madrugada não tem como não se deixar tomar pela sua alma. Um a um, os seus fantasmas apresentam-se, sem serem convidados. Um deles, um velho autoritário e sábio diz-lhe: - Eu conheço-te bem, disfarçaste-te mas não enganas ninguém: nasceste puta, para servir e ser usada. Arranjaste este trabalho para disfarçares os teus impulso

O punho cerrado

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Gare de Sta. Apolónia, acabava de chegar de Coimbra. Um dos mendigos, dos muitos que passam por ali a noite, aproximou-se de mim com aquela cara miserável que convém a alguém que vive daquilo que se julga sem direito: o meu dinheiro. Teria uns cinquenta anos, camisa desabotoada, calças às riscas, casaco castanho às nódoas; arrastava uma perna retorcida. Pediu-me 100 paus, dei-lhos e como estava nos meus dias comecei com filosofias, e lares, e Seguranças Sociais e reabilitações. De repente agitou-se, abriu a camisa apontou-me o lado esquerdo para o peito e disse naquela voz entaramelada pela manhã dum bêbado: — Vês este punho fechado, com dois elos inteiros e um partido? Acenei com a cabeça. — Vi-o pela primeira vez há mais de 20 anos numa viagem por aí, pelo mundo. Olhe, dessa vez voltava da Suiça, da fruta. Umas horas antes um qualquer desgraçado tinha-me roubado a mochila na praia de Torremolinos, tinha ficado sem nada, nem umas cuecas tinha, foi com uma toalha à volta do cu

Um punho cerrado

Gare de Sta. Apolónia, acabava de chegar de Coimbra. Um dos mendigos, dos muitos que passam por ali a noite, aproximou-se de mim com aquela cara miserável que convém a alguém que vive daquilo que se julga sem direito: o meu dinheiro. Teria uns cinquenta anos, camisa desabotoada, calças às riscas, casaco castanho às nódoas; arrastava uma perna retorcida. Pediu-me 100 paus, dei-lhos e como estava nos meus dias comecei com filosofias, e lares, e Seguranças Sociais e reabilitações. De repente agitou-se, abriu a camisa apontou-me o lado esquerdo do peito e disse naquela voz entaramelada pela manhã de um bêbado: — Vê este punho fechado, com dois elos inteiros e um partido? Acenei com a cabeça. — Vi-o pela primeira vez à mais de 20 anos numa viagem por aí, pelo mundo. Olhe, dessa vez voltava da Suiça, da fruta. Umas horas antes um qualquer desgraçado tinha-me roubado a mochila na praia de Torremolinos, tinha ficado sem nada, nem umas cuecas tinha, foi com uma toalha à volta do cu que fui ao c